domingo, 3 de agosto de 2008

Nossa bibliografia: "Paradigmas das Relações Internacionais" (Parte 1)



Inaugurando a série de comentários sobre nosso curso, comento essa obra indicada na disciplina de Teoria das Relações Internacionais, que nesse semestre é comandada pelo professor Sérgio Lacerda. "Paradigmas das Relações Internacionais, de Gilmar Bedin et al., trata-se de uma coletânea de artigos escritos por professores renomados e presente em todas as bibliografias das disciplinas de Teoria das Relações Internacionais dos cursos de R.I. de Curitiba.


Longe de querer fazer uma resenha crítica sobre o livro, o propósito desse breve artigo é sugerir uma espécie de roteiro de leitura para os acadêmicos de Relações Internacionais. Primeiro, por respeito acadêmico às carreiras que cada autor de cada artigo dessa obra possui, e segundo, por eu também ser um acadêmico dessa disciplina, não possuo conhecimentos mais aprofundados suficientes para uma crítica de qualidade para qualquer resenha sobre esse assunto.

Texto 1. Introdução.

Podem ler sem maiores preocupações, pois cada ítem apresentado nessa parte será exaustivamente abordado por todos os autores e autora ao longo da obra. Não se sintam obrigados também em lê-la, não influencia muito no restante da obra. Compensa apenas ler a introdução para os mais ansiosos, pois é metódico na apresentação do conteúdo de toda a obra; além dos tradicionais agradecimentos, é claro.


Texto 2. O ideário da paz em um mundo conflituoso.

Provavelmente foi escolhido para ser o primeiro texto do livro por mera questão cronológica, pois didaticamente, poderia ficar após o texto 3 que o acadêmico teria um aproveitamento consideravelmente maior logo em suas primeiras leituras. O professor Shiguenoli Miyamoyo, é bastante conhecido no meio acadêmico e possui um vasto repertório de artigos sobre as Relações Internacionais. Entretanto, esse não é definitivamente o melhor artigo dele. Talvez por ser um assunto considerado por diversos pesquisadores "letra morta", ou seja, uma teoria que só interessa para historiadores do pensamento, mas que já fora enterrada pelos seus próprios partidários mais contemporâneos; o autor não tenha se dedicado como se dedicou em diversos outros artigos. E o resultado é um texto, com o perdão da palavra, "pra lá de chato". Confuso, tropeça em um monte de referências que, prestando-se mais atenção o que uma a uma quer dizer, torna o artigo bastante contraditório. Além de momentos em que o "fio da meada" simplesmente some, retornando abruptamente três ou mais parágrafos adiante. Por outro lado, e o mais importante, convida os leitores a uma reflexão em que se compara o idealismo, paradigma político estrutural das Relações Internacionais, enquanto "o ideário pacifista".


A idéia de um mundo utópico, com mecanismos práticos de uma política de paz perpétua é o eixo estruturante de todo o paradigma do idealismo. Nesse sentido, o texto é uma abertura para que o estudante de Relações Internacionais reflita sobre o que pensadores como Platão, pensadores católicos medievais, Thomas More, Ábade de Saint Pierre, Immanuel Kant, Kissinger, e o ex-Presidente dos EUA W. Wilson, acerca do realismo e saia pesquisando por aí com um pouco mais de esclarecimento sobre o que cada um colaborou para o paradigma idealista. No meio dessa bagunça de referências, surge um debate interessante, porém que é fruto de uma fantástica fuga de texto: os motivos que levaram a Liga das Nações fracassarem e o paradigma do realismo político se tornar hegemônico ao longo de quase todo o século XX. Mas como se trata de uma fantástica fuga de texto, o debate é apenas iniciado, e sendo respondido tão somente no texto 3. de Gilmar Bedin.


Texto 3. O realismo político e as relações internacionais.


Consideravelmente melhor escrito que o Texto 2., o professor Gilmar Bedin irá abordar, com certa exaustão didático-pedagógica, sobre o paradigma do realismo nas relações internacionais. É tão ilustrativo que a sua introdução poderia tranquilamente substituir mais da metade do texto de Miyamoto. Um ótimo texto para quem está completamente sem noção alguma do que se trata cada paradigma das relações internacionais. Quando o autor dedica-se ao realismo político então, consegue ser até um pouco cansativo tamanha a riquesa de detalhes que o autor acaba deixando escapar (afinal, ele não se propõe ser exaustivo, que considero apenas modéstia acadêmica dizer isso, pois ele acaba sendo exaustivo).


Sugiro que os acadêmicos, à excesão daqueles que não estudaram absolutamente nada sobre Maquiavel e Hobbes, pulem sem peso na consciência as partes que abordam sobre a biografia e a bibliografia de cada pensador abordado, e partam direto para os parágrafos finais de cada um desses onde reside a contribuição desses, de fato, para as relações internacionais. Aliás, podem pular, mesmo os que não possuem maiores conhecimentos também, pois ele não acrescenta nada de novo, e também por ser a única parte do artigo que ele escorrega em algumas generalizações que a própria academia costuma arrepiar-se quando um estudante o faz, imagine um professor de gabarito como Bedin.


Quem não tem a menor idéia sobre os pensadores Maquiavel e Hobbes escreveram, sugiro lerem a introdução referente a cada um deles nos livros da coleção Os Pensadores, consideravelmente um ganho de tempo e muito mais enriquecedor que os escorregões desse artigo. No que se refere ao Maquiavel, Bedin irá afirmar que sua maior contribuição para as Relações Internacionais, e para a ciência política principalmente, foi a separação que ele faz entre a política enquanto arte de governar, típica da tradição escolástica e peripatética, e a política enquanto a arte de se obter e manter-se no poder. Quanto ao Hobbes, o autor irá defender um Hobbes preocupado com a possível dissolução da Inglaterra, e seu temor à anarquia, antes de abordar a contribuição do autor de O Leviatã para as Relações Internacionais propriamente dita. Como eu disse anteriormente, sugiro que partam sem maiores dúvidas diretamente para essa parte, exceto se quiserem um refresco para a memória e uma estranha diversão intelectual com as "pisadas na bola" que Bedin incorre por generalizar alguns conceitos difundidos por leituras mais desatentas de Leviatã e O Príncipe.


Quando chega na contribuição direta de Hobbes para as R.I., o artigo é simplesmente genial! Com muita propriedade, Bedin irá demonstrar como o conceito de estado de natureza hobbesiano é fundamental para se entender a própria sociedade internacional. Uma espécie de guerra perpétua dado a anarquia da sociedade internacional graças a inexistência de um poder superior que regule todos os Estados, bem como a impossibilidade desse poder "supremo" entre os Estados serem intangíveis, dado a necessidade de soberania que cada Estado deve possuir. A única forma, salientada por Bedin, para se evitar um cenário de guerra perpétua, deve-se estabelecer uma política de equilíbrio de poder.


Depois, o artigo ruma para uma abordagem mais contemporânea e mais internacionalista do realismo político a até então filosófica e quase metafísica. Provoca um intervalo interessante para contextualizar a obra de Edward Carr "Vinte Anos de Crise 1919 - 1939" com uma apresentação de muito bom gosto sobre a Paz de Westfália e a formação da Sociedade Internacional Moderna. O Tratado da Paz de Westfália configura-se enquanto marco divisório entre a Sociedade Internacional que tinha o poder da Igreja enquanto hegemônico e a nova Sociedade Internacional que passa a ter no conceito de Estados soberanos esse poder hegemônico. Dessa forma, abrindo caminho para a hegemonia do pensamento realista na política internacional, ainda que o paradigma idealista tenha sempre convivido com relativa força nesse cenário até fins da Segunda Guerra mundial. Aliás, em poucas páginas, Bedin irá abordar com bastante objetividade sobre o tema que Miyamoto teve tanto trabalho e tantas divagações. Após contextualizar o brevíssimo predomínio do pensamento idealista no entre-guerras, finalmente Bedin irá partir para a conclusão de seu texto com os "pilares" contemporâneos do pensamento realista: Carr e Morgenthau. Logo, para quem leu o texto de Miyamoto e esteja bastante cansado para reler uma outra abordagem sobre o idealismo no entre-guerras, sinta-se à vontade para pular todo esse intervalo e partir direto para o "Edward H. Carr e a crítica ao Paradigma Idealista". E, daí por diante, até a conclusão do autor, eu sugiro uma "lenta e atenta degustação" do texto, pois é o filé mignon do texto, e provavelmente a parte que, de fato, irá nos interessar para nosso aprendizado no que diz respeito às Teorias das Relações Internacionais, sobre o paradigma do realismo político, propriamente dito.


OBS: Resolvi fazer em duas partes, pois ficaria um texto muito longo para os padrões de um Blog.
Saudações Internacionalistas
Michael Genofre